Vilhena: a crise contada por quem vive a crise

Empresários atestam: cidade vive momento de retração econômica, cenário que poderia se invertem com políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento

Uma economia fortemente calcada no contra-cheque de seu vultoso funcionalismo público – federal, estadual e municipal – pode produzir ilusões ou distorções da realidade. É o caso de Vilhena, que vive uma inegável estagnação econômica, porém, insiste em se apresentar como um mar de rosas – ilusão essa reforçada pela propaganda oficial, que não mede investimentos (de recursos públicos) para vender gato por lebre. “Vilhena é muita pompa e pouca circunstância”, sentenciou o empresário Vilmar Saúgo, que também é diretor de Relações Públicas da ACIV – Associação Comercial e Industrial de Vilhena.
Vilmar Saúgo, empresário e diretor da ACIV
Vilmar Saúgo, empresário e diretor da ACIV
         O funcionalismo público de Vilhena é numeroso pelo fato de que a cidade se localiza na divisa do Estado. Isso faz com que a representação de órgãos estaduais e federais seja maior aqui, se comparado com outros municípios que não gozam dessa privilegiada posição geográfica. O recurso proveniente do contra-cheque termina por ser o que efetivamente circula na economia local.
         Afora o funcionalismo, a cidade também apresenta exuberância no transporte, agronegócio e distribuição de combustíveis, mas com exceção do primeiro, os outros dois setores geram muitas divisas, porém poucos empregos e trata-se de riqueza concentrada e que não circula. Não é dinheiro que vai irrigar as caixas registradoras das empresas locais, ou que vai ser empregado na produção e geração de empregos.
         “A última indústria considerável a se instalar em Vilhena foi a Colchões Portal, há mais de dez anos. De lá para cá nada de novo aconteceu. A Major Amarantes hoje tem mais de 30 imóveis vazios”, diz Vilmar Saúgo. “Deveríamos ter projetos de atração de indústria, deveríamos explorar as condições fiscais privilegiadas que temos por pertencer à Amazônia Legal. Deveríamos aproveitar a nossa boa localização geográfica. Daqui a Manaus são cinco milhões de habitantes, e não sabemos explorar esse mercado fabuloso”.
         Há mais de 10 anos sem abrir novas indústrias e com a população em franco crescimento – de 76 mil para 87 mil habitantes no período –, fica fácil perceber que o desemprego, se não é uma realidade, já bate às portas de muitos trabalhadores. “Vilhena vive uma crise de mercado sim. As vendas estão muito baixas. Este ano, por exemplo, de acordo com dados do Ministério do Trabalho, de janeiro a maio o comércio de Vilhena, ao contrário de anos anteriores, não gerou empregos. Perdemos vagas”, informou o empresário Pedro Jucá de Oliveira, presidente do Sindicato do Comercio Varejista do Cone Sul de Rondônia. Em tempo: o sindicato mantém um cadastro de currículo e vagas de trabalho. Nele consta, atualmente, 64 currículos cadastrados e apenas duas vagas disponíveis. Trata-se de um número que pode ser revelador do ponto de vista prático.
Engenheiro civil Adones Hoffmann, empresário da construção civil em Vilhena
Engenheiro civil Adones Hoffmann, empresário da construção civil em Vilhena
         HABITAÇÃO – Esse é um setor que está aquecido, porém, ao custo do sacrifício dos demais setores econômicos atuantes na cidade. A prefeitura de Vilhena autorizou a abertura de mais de 50 loteamentos, que somados, colocaram à venda mais de 30 mil lotes no município. “O crédito imobiliário explodiu e o setor de engenharia civil aqueceu. Em contrapartida, os demais setores da economia estagnaram”, sentenciou o engenheiro civil Adones Hoffmann, empresário da construção civil na cidade.
Pedro Jucá de Oliveira, presidente do Sindicato do Comercio Varejista do Cone Sul de Rondônia
Pedro Jucá de Oliveira, presidente do Sindicato do Comercio Varejista do Cone Sul de Rondônia
         Há quem aposte que, após as eleições de 2014, até essa aparente exuberância da construção civil se acabe. Faz sentido. Uma vez reeleita, cessa o interesse da presidente Dilma Housseff em manter os investimentos federais do programa “Minha casa, minha vida”, que hoje alavanca o setor de construção em Vilhena. Quanto ao excesso de loteamentos autorizados pela prefeitura, a iniciativa gerou uma quantidade considerável de trabalhadores endividados, o que imobilizou os recursos circulantes na região, já que caiu o padrão de consumo e a qualidade de vida das pessoas. “A inadimplência está muito alta. Mais de 16 mil CPF’s estão em cadastros restritivos em Vilhena por conta do endividamento da população com os empreendimentos imobiliários. Isso comprometeu significativamente os rendimentos das famílias”, disse Pedro Jucá.
Há ainda os problemas oriundos de um crescimento desordenado da cidade. A expansão das cidades mais desenvolvidas atualmente se dá de forma vertical, e não horizontal. Essa tendência se consolidou porque o crescimento vertical (prédios) exige menos infraestrutura. Vilhena se horizontalizou. E agora, como levar os serviços públicos para o município todo? Coleta de lixo, policiamento, asfaltamento, água, energia… tudo isso deve ser feito em bairros distantes e para atender a um número reduzido de residências. “Essa expansão compromete o crescimento de Vilhena. Foi uma irresponsabilidade da prefeitura deixar isso acontecer. Como fazer saneamento, por exemplo, numa cidade tão espalhada?”, questiona Vilmar Saúgo. “O fato é que Ji-Paraná e Cacoal viraram verdadeiros canteiros de obras da indústria, enquanto Vilhena fica igual a cachorro que corre atrás do próprio rabo”.
         COMÉRCIO CAPENGA – Boa parte dos empresários que atuam na cidade não consegue enxergar o que a prefeitura insiste em querer mostrar: uma cidade exuberante onde os problemas passam ao largo. A realidade pinta um outro quadro: a de avenidas comerciais cheias de salas e prédios vazios e onde nem proposta de aluguel aparecem. Pedro Jucá informa que tem duas salas comerciais para aluguel na avenida Major Amarantes e que, ao contrário do que acontecia antes, há meses que não surgem nem propostas de aluguel.
Há um dado objetivo que mostra que Vilhena está sim, em crise econômica. Quando as coisas vão mal nas ruas, vão muito bem nos bancos. É o que acontece no momento numa das cooperativas de crédito que atua na cidade. “Os cofres dos bancos se abarrotam em momentos de crise. No último ano a nossa captação de recursos cresceu 35% se comparado com o ano anterior”, informou Saúgo, que é também diretor da Sicoob Credisul. Essa é uma tendência: quando a crise se avizinha, o empresário se previne aumentando sua poupança para enfrentar os tempos difíceis que se anunciam. Esse movimento explica a estagnação econômica japonesa que se arrasta desde os anos de 1980: pouco confiante no futuro econômico do país, a população daquele país se previne guardando dinheiro, o que diminui o capital circulante na economia.
Empresário José Ivanildo Araújo, diretor da ACIV
Empresário José Ivanildo Araújo, diretor da ACIV
         A CRISE É ÓBVIA – “Vilhena está em crise sem dúvida alguma”, opinou o empresário José Ivanildo Araújo, que também é diretor da ACIV. “Há seis anos, pagava-se para desocupar um ponto comercial em Vilhena. Hoje se vê pontos desocupados e sem propostas de aluguel”. O empresário, que atua no setor de drogarias, reforça o coro dos que vêem não uma cidade que cresce economicamente, mas que apenas se espalha territorialmente, perfazendo hoje um total de 12 quilômetros quadrados de área para assistir com serviços públicos essenciais.
         “Vilhena não tem produção. Cadê as indústrias, que é o que gera empregos e renda? O grande problema da cidade é a evasão de capital, pois o dinheiro da venda desses loteamentos não fica na cidade. Não existe uma política de desenvolvimento para Vilhena. Veja a história do frigorífico de frango: o projeto caminhava bem. Bastou entrar políticos na história e pronto, o projeto foi interrompido”, analisou Ivanildo.
         O empresário afirma que Vilhena, poucos anos atrás, desconhecia crises econômicas. “Hoje ainda não se conhece o perfil de Vilhena para atrair indústrias. Estamos com 87 mil habitantes e não temos um aeroporto decente, não temos infraestrutura, enfim, precisamos de um Conselho Municipal de Desenvolvimento para pensarmos a economia da cidade em curto, médio e longo prazos”, sugeriu.
         POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO – Se por um lado é consenso que a intervenção estatal mais atrapalha do que ajuda o setor produtivo – comprova-se isso na intervenção da prefeitura de Vilhena no projeto do frigorífico de frangos –, por outro, é função do setor público ser o indutor do desenvolvimento regional criando um ambiente favorável, estável e confiável na cidade, injetando ânimo e encorajando o capital produtivo a se instalar e efetivamente produzir na região. Do contrário, corre-se o risco de a cidade ficar estacionada na periferia do sistema, cabendo-lhe o papel – importante, sem dúvidas – de apenas abastecer com matérias primas as indústrias que se instalam em cidades vizinhas, além de suprir os centros urbanos mais avançados com gêneros alimentícios. Chegar a esse ponto seria perder a relevância econômica que Vilhena já teve em outros tempos em território rondoniense.
         CONCLUSÃO-PROPOSTA – Dotar a cidade de infraestrutura é função da administração pública. Além de atrair empresas, a iniciativa gera empregos e faz com que a receita do município circule no próprio município. “O desenvolvimento verdadeiro só existe quando a população em seu conjunto é beneficiada”, ensina o economista Celso Furtado em “Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea” (2002). Atrair indústrias gera empregos e distribui riquezas, e isso sim beneficiaria o conjunto da sociedade.
         Em outra obra, “Teoria e política do desenvolvimento econômico”, o mesmo autor ensina que “(…) sempre que a política inclua entre os seus objetivos um grau elevado de emprego da mão-de-obra, ela, se tiver êxito, conduzirá necessariamente ao desenvolvimento” (1977). A questão, então, passa a ser sobrepor o interesse comum ao de grupos que se apoderam da máquina pública, utilizando-a intensivamente em benefício próprio. Compete à administração pública planejar o futuro e, no caso específico de Vilhena, atrair as empresas com todos os benefícios fiscais inerentes à sua condição de município pertencente à Amazônia Legal. Empreendedores para investir têm. Só falta os gestores públicos encorajá-los a arriscar seus capitais em terras vilhenenses.
Fotos: Fernando H. Araújo
Marcus Fernando FioriEspecial para o RONDONIA EM PAUTA