O frio não combina com Rondônia

O frio não combina com Rondônia

Professor Nazareno*



A forte massa de ar polar que alcançou o sul da Amazônia no final deste mês de julho dando origem ao fenômeno conhecido regionalmente como Friagem fez despencar as altas temperaturas da região e trouxe consigo algo inédito: a sensação de que em Rondônia vivemos na Europa ou em outro lugar desenvolvido e civilizado como a Serra Gaúcha, Curitiba ou mesmo o interior de quase toda a região sul do país. Esse fenômeno é uma verdadeira aberração da natureza: frio é no inverno e em todo o sul amazônico estamos no período da estiagem, ou seja, no verão. Então, nas terras de Rondon o frio aparece estranhamente na estação mais quente. Frio, se é que se pode chamar 14ºC de temperatura baixa. Aqui se pode, pois há três dias, estávamos “assando” com números diários acima dos 36 graus centígrados. Embora não seja surpresa para ninguém, o frio e a Friagem daqui nos incomodam. E muito: “não é que faz frio no fim do mundo?”.

O meu maior incômodo, no entanto, é ter que andar nas ruas sentindo um cheiro de mofo, barata e naftalina que emana das bisonhas roupas grossas que as pessoas usam para mostrar o que não têm: guarda-roupa de inverno. Geralmente são roupas doadas por parentes que moram no Paraná ou em outro lugar onde realmente faz frio. Já rotas, molambentas, sujas e furadas, as mantas e os velhos agasalhos fazem ironicamente os transeuntes se parecerem com o que realmente aparentam ser: palhaços de um circo em decadência. Rondônia e sua capital Porto Velho são lugares atrasados, feios, sujos, sem a menor infraestrutura e que estão acostumadas com o calor, o mormaço e as altíssimas temperaturas características do lugar. Estão muito mais parecidos com os rincões da África subsaariana, o sertão do Nordeste e mesmo o inferno do que com a paradisíaca Serra Gaúcha ou o norte desenvolvido e civilizado da Europa.

Além do mais, passar frio em Munique na Alemanha, em Gramado, Canela, Curitiba ou mesmo nos cantões da Suíça significa conviver com flores, belos jardins, canto de pássaros e também degustar a culinária característica da estação. Não há como deixar de apreciar o Fondue de queijo, o Cassoulet de feijão branco, Pirog polonês, vinhos finos e sopas deliciosas. Nestes lugares, o frio faz o romantismo aflorar nas pessoas que se apaixonam mais facilmente. Já em Porto Velho, o frio faz muitos beberem cachaça 61, vinho Sangue de Boi ou Chalise e comer Mandi frito além de esfregar as mãos e reclamar do tempo. Isso num ambiente cheio de poeira, fumaça das queimadas, lixo, podridão, ratos, esgotos a céu aberto, monturo e pessoas mal encaradas, geralmente bêbadas, fedidas e cuspindo para tudo que é canto. O frio daqui só traz desgosto, gripes, rinite alérgica, diarreias, curubas e outras doenças de pobre.

Decididamente, o frio não combina com Rondônia nem com Porto Velho, pois não se pode conviver ao mesmo tempo com temperaturas baixas e políticos ladrões. Na fria Europa, por exemplo, quase não há corruptos. Então deve ser o calor rondoniano que faz a classe política daqui roubar tanto os cofres públicos. Faz também as autoridades locais se envolverem em briguinhas particulares em vez de trabalharem em benefício da população que os elegeu. Acredita-se que se o clima de Porto Velho fosse frio como está o dia hoje, haveria menos ataques ao Erário e o lugar seria bem mais desenvolvido. O frio faz as pessoas ficarem bem mais dispostas, além de dar mais predisposição para a boa leitura. Mas como essa “estranha” temperatura não é daqui, é bom que vá embora logo, pois precisamos voltar à nossa rotina diária de conviver com o calor, violência, corrupção, sujeiras e atraso. E banhos. Precisamos tomar mais banhos. 


*É Professor em Porto Velho.